Se sempre achou que o homem havia de ter mais qualquer coisinha do que um chimpanzé para ter chegado onde chegou - passem-se as interrogações próprias das crises que vamos vivendo - está enganado. Um estudo publicado ontem na revista "Nature" dá a resposta mais pormenorizada dos últimos anos e, à luz dos avanços da genética, sobre o que faz de nós humanos. Investigadores da Universidade de Stanford, nos EUA, defendem que a resposta não parece estar no que temos a mais, mas no que não temos. Uma primeira análise comparativa entre o genoma humano, o dos chimpanzés e o dos ratinhos revelou 510 segmentos de ADN que só já não existem no homem (entenda-se que também já não existiam nos Neandertais, há 500 mil anos). Os investigadores conseguiram associar as diferenças a atributos bem humanos, como cérebros grandes, e à perda de outros considerados mais primários, como os pénis espinhosos e os bigodes sensoriais. A investigação mostra que os genes, que partilhamos com animais tão diferentes como a mosca ou o chimpanzé, não parecem ser a chave das diferenças evolutivas mas sim as chamadas zonas regulatórias do ADN, que ditam quando e como é que os genes são codificados. Hoje sabe-se que os genes, que nos humanos são entre 20 mil e 25 mil, representam apenas 2% do genoma, o manual de instruções de um organismo. Ou seja, o segredo pode não estar nos ingredientes mas nos passos que a evolução foi retirando à receita da vida.
O trabalho publicado na "Nature" é a ponta do icebergue daquilo que se adivinha sobre as futuras lições do genoma. Dez anos depois de o genoma humano ter sido sequenciado por 3 mil milhões de dólares (e ter dado trabalho durante uma década), hoje a tecnologia já permite análises por 10 mil dólares e em poucos meses. José Pereira Leal, investigador do Instituto Gulbenkian da Ciência, em Oeiras, explicou ao i que a descoberta, embora remeta para explicações preliminares sobre o que diferencia os humanos de outros animais, vem reforçar uma tese que no início dos anos 90 suscitou alguma surpresa entre os cientistas. "Quando começámos a estudar o genoma achámos que teríamos 100 mil genes. No final dos anos 90, quando vimos que tínhamos pouco mais genes do que uma mosca, começaram a surgir dúvidas sobre o que levaria à formação de diferentes tecidos e à diferenciação entre espécies. A última moda tornou-se não perceber os genes mas porque é que os usamos como os usamos, e a explicação parece estar nos segmentos regulatórios do ADN."
Genes repórteres A conclusão dos investigadores de Stanford pode parecer pouco óbvia, diz o co-autor do trabalho Philip Reno, mas não foi uma surpresa perante os mecanismos evolutivos já conhecidos na natureza. "A supressão de sequências de ADN pode ser considerada uma forma de mutação, como uma mudança na ordem das letras do código genético", explica.
"É possível que algumas supressões tenham acontecido em segmentos que já não eram necessários. Contudo, uma vez que se mantiveram em ratinhos, macacos e chimpanzés e a maioria parece continuar a ser funcional passados milhões de anos, propomos que muitas tenham ocorrido para alterar a forma como os genes são regulados e assim produzir algumas características físicas que nos fazem humanos." A investigação utilizou um método de manipulação laboratorial que utiliza genes repórteres, que activam um marcador azul quando são utilizadas determinadas instruções. Os investigadores puderam assim verificar em embriões de ratinhos qual o papel das sequências suprimidas nos humanos. Destacam para já duas grandes descobertas, embora ainda haja trabalho pela frente. Uma das sequências foi associada ao gene que codifica o receptor de androgénio, associado a características específicas dos machos como ter barba. Apesar de os humanos manterem este atributo, perderam outros agora associados a um dos 510 segmentos suprimidos: os bigodes sensoriais ou a genitália com espinhos, presente em primatas não humanos ou nos gatos. A perda dos espinhos nos humanos já tinha sido associada a relações sexuais mais prolongadas e não ao contexto de competição de outros primatas, bem como à evolução da monogamia. A outra grande descoberta foi a de uma sequência que parece regular a actividade do gene GADD45g, que nos ratinhos restringe o crescimento celular numa camada do cérebro e que parece explicar a evolução da inteligência humana. Pelo menos em parte, reflectem, uma vez que os traços serão demasiado complexos para serem explicados numa simples correlação.
Para os investigadores, esta linha de investigação pode vir a explicar não só diferenças fisiológicas e anatómicas mas também a susceptibilidade a doenças como artrite, cancro, sida, ou doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.
Para Pereira Leal, pode ainda fazer-se outras leituras. "Temos a ideia de que somos seres mais complicados quando parece que estamos a perder instruções."
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